Encontro Nacional 15-16 Março 2025
Alberto Arons de Carvalho, ex-secretário de Estado da Comunicação Social
Decorreu, nos dias 15 e 16 de março, no Centro de Juventude de Braga, o Encontro Nacional de Imprensa Local e Regional, Impressa e Digital, que debateu temas como ‘A contribuição para a construção do Portugal democrático’ e ‘A revitalização e sustentabilidade’. Estiveram presentes cerca de 200 representantes da imprensa local e regional, vindos de todos os distritos de Portugal Continental e da Região Autónoma dos Açores.
Alberto Arons de Carvalho, ex-secretário de Estado da Comunicação Social, falou sobre “O contributo da Comunicação Social Local e Regional para o combate à desinformação e fake news; o preocupante deserto de notícias em mais de 60 concelhos e com mais de metade sem jornal impresso”. Fique aqui com algumas das suas declarações:
«Qual deve ser o papel do Estado no apoio aos media? Creio que existe um vasto consenso, em Portugal, no sentido de que se justifica perfeitamente o apoio do Estado à comunicação social, porventura com exceção das forças mais liberais, reconhecendo que a imprensa desempenha uma função de serviço de interesse público. É que não basta assegurar a liberdade de empresa, a liberdade de criação de empresas ou os direitos jornalistas, porque o insucesso das empresas afeta o pluralismo, o insucesso das empresas afeta o direito dos cidadãos à informação. E, portanto, importa reconhecer que, estando o modelo de negócio tradicional da imprensa, consumo e publicidade com dificuldades, em crise, os apoios à comunicação social tornam-se absolutamente imprescindíveis.»
«Será que os media são empresas como as outras? Os incentivos são apenas auxílios às empresas ou também são apoios aos cidadãos e consumidores? Não se trata apenas do direito a informar ou do direito das empresas de existirem. Trata-se do direito dos cidadãos à informação, do direito dos cidadãos a uma informação plural. A comunicação social regional e local justificará uma prioridade: é indiscutível o papel relevante de uma informação de proximidade, onde existe um mercado geográfica e publicitariamente limitado, onde existem, como aqui foi largamente referido, os chamados desertos-notícias, onde existe também, muitas vezes, o perigo de uma dependência do poder autárquico.»
«Já foi aqui referido que, em muitos países europeus, existem amplos incentivos à comunicação social regional e local. Eu dou os exemplos mais importantes: o francês, o da Áustria ou dos países escandinavos, onde existem muitos milhões de euros distribuídos para a comunicação social regional e local. É claro que com os apoios estatais pode haver um risco de colocar em causa a independência face ao poder político, pode haver o risco apontado, por vezes, de alimentar ineficiências, impedir a competitividade e a restruturação das empresas de comunicação social. Mas a verdade é que nestes países, e em muitos outros países europeus, existe uma ampla política de apoio do Estado, com apoios indiretos e diretos. Exemplos de apoios diretos: em Portugal foi, ou tem sido, o chamado incentivo à modernização tecnológica. Apoios indiretos, em Portugal: o IVA reduzido, embora não tanto como noutros países europeus, ou a diminuição dos custos do serviço da agência Lusa. Em França, durante muitos anos, sempre que um jovem fazia 18 anos tinha direito a escolher durante um ano uma assinatura de um jornal e o Estado oferecia essa assinatura com vista a tentar criar hábitos de leitura. Em alguns países escandinavos, existe a regra de que se há dois jornais e um deles está com dificuldade, o Estado deve apoiar o segundo jornal, de forma a garantir que existe concorrência, que existe uma pluralidade de vozes.»
«Quais são as prioridades em relação a Portugal? Bom, o governo que cessou agora funções tinha um programa de ação para os media, ao contrário dos governos socialistas anteriores, e apontava para algumas soluções corretas no âmbito dos apoios à comunicação social. Creio que, e sabem que sou militante do Partido Socialista - que os governos do PS, nos últimos anos, não estiveram à altura da resposta adequada para esta questão dos apoios à comunicação social regional e local. Eu espero e estou seguro de que isso vai mudar no futuro. Creio que é importante subir o incentivo à leitura e apostar em financiamento que garanta às empresas a empregabilidade de jornalistas. É importante considerar a questão do IVA. É importante considerar a questão da publicidade institucional e da publicidade autárquica, desde que se garanta a independência dos órgãos de comunicação social face ao poder autárquico.»
«Creio que continua a haver uma ligação importante entre os cidadãos e a comunicação social regional e local. Não apenas dos cidadãos que vivem naquele concelho, como dos cidadãos que nasceram naquele concelho e foram para o estrangeiro ou para outra cidade e querem manter uma ligação às publicações do seu concelho. Creio que esse papel é absolutamente insubstituível e creio que haverá condições, assim que o poder político o reconheça, para manter esses vínculos, essa ligação, essa proximidade dos cidadãos com a comunicação social.»
«Fui jornalista, nunca fui diretor de nenhuma publicação, nunca fui proprietário de nenhuma publicação periódica e, por isso, tenho alguma dificuldade a dar sugestões sobre a orientação de uma empresa para conquistar mais públicos. Penso que é fundamental não perder as raízes, ou seja, não perder o contacto com as pessoas, não perder o contacto com as comunidades que se devem servir e, simultaneamente, tentar fazer uma comunicação social de qualidade que rejeite completamente a desinformação, que rejeite a manipulação, que seja fiel às regras e aos princípios éticos e ideológicos.»
«Um relatório, o Repórter Sem Fronteiras, referia que [estaremos a vivenciar] a pior crise do jornalismo desde há décadas. Não apenas por causa do aumento da repressão a jornalistas, por causa do aumento da propaganda de alguns Estados, mas também por causa do colapso dos modelos tradicionais da imprensa. Creio que uma imprensa social forte e independente e uma imprensa regional presente e ativa são elementos essenciais dos regimes democráticos. Temos todos de a defender, quer aqueles que a produzem, quer todos aqueles que, como consumidores, querem garantir e que seja garantido pelo poder político o direito dos cidadãos à informação.»